terça-feira, 5 de setembro de 2023

 


Dever de casa



(( Wilson Cid, hoje, no "Jornal do Brasil")

Com o respaldo de organismos internacionais sérios, recentemente o governo convidou os países americanos que se servem da Amazônia a se associarem num esforço coletivo em defesa daquele patrimônio, o que permitiu, pelo menos, contrariar a visão estrábica que costumeiramente atribui à responsabilidade exclusiva do Brasil a grave ofensa que se tem praticado contra a natureza na região. Hoje, Dia da Amazônia no calendário civil, serve para lembrar que, não obstante o bom propósito, não se tem conhecimento de resultados objetivos da proposta, até agora restrita aos discursos de fim de banquete. Nossos vizinhos ainda parecem acomodados.

Afora isso, não se pode desconhecer outro detalhe não menos importante, mas raramente lembrado. São as responsabilidades diretas dos nove estados brasileiros diretamente servidos daquela riqueza, que nada ou pouco têm feito para defendê-la e preservá-la. Se temos quase dez países do continente interessados, obrigados a participar de vasto programa de preservação do maior bioma do mundo, com 4.2 milhões de km2, os deveres não podem estar menores nas pautas ambientais de nossas unidades federativas. Indaga-se: o que elas têm feito nesse sentido? Na verdade, continuam devendo maior preocupação com a causa, a começar pelo fato de suas escolas não se sensibilizarem para a formação de novas gerações mais conscientes, capazes de garantir um futuro esperançoso.

De fato, exportamos preocupações para os países vizinhos amazônicos, apelamos aos europeus para que invistam dólares e tecnologia na floresta que se consume, mas calamos quanto aos estados onde sopra o calor das queimadas e onde as árvores morrem. Antes de convocar o mundo, precisamos encarar um dever que é de casa.

Mais parlamentares?

Não passou sem críticas, algumas ácidas, a decisão do Supremo Tribunal Federal de recomendar ao Congresso que, até 2025, reorganize a representação parlamentar, de forma que ela tenha identidade e nitidez com o aumento da população, segundo os números do censo do IBGE, apurados no último trimestre do ano passado.

Gasta-se demais com os políticos, principalmente com os deputados. O Brasil, nesse particular, quase um perdulário, se comparado com outros países. Mas o esbanjamento, que tem repetidas evidências, não pode ser debitado à representação em si mesma, mas ao mau comportamento dos agentes da política, que se aproveitam dela e do mandato para construir privilégios, em benefício próprio ou de grupos ou de corporações. Os desvios têm prosperado à vista de todos.

Um mandato, se blindado desse defeito, custa o que tem de custar. O uso inadequado é que o desvirtua.

Um argumento, este favorável às periódicas revisões do número de parlamentares em exercício, toda vez que se registrar aumento da população, é que a sociedade não pode se fazer representar por reduzidos agentes políticos. Caso contrário, as parcelas do povo que crescem ficam alijadas, sem voz e sem voto. Pelo menos em tese, nem sempre na prática, o argumento está correto. Demais, quando os poderes se concentram em poucos, eles passam a mandar e decidir mais do que convém, tornam-se uma casta mais privilegiada, onde os privilégios já são muitos.

Imposto desenterrado

Depois de estranha incursão na seara legislativa, determinando a descriminalização da maconha, suavizando-a, sem levar em conta o que disso resultará o aumento do tráfico criminoso, os gastos com a saúde pública e a violência, o Supremo Tribunal Federal decide, de novo, bater de frente com os interesses da sociedade, desenterrando o imposto sindical do túmulo em que jaz; não sem antes esconder a lápide com um eufemismo: a violência passa a chamar-se contribuição assistencial aos sindicatos; o que dá no mesmo. Acrescenta-se uma enganação, ao se conferir ao trabalhador o direito de sustar o desconto compulsório, desde que assim se manifeste, em assembleia, com ano de antecedência... Um direito inútil, porque as entidades interessadas sabem como pressionar e coagir em defesa de seus orçamentos.

Os ministros já somam idade suficiente para saber a que orgias serviu aquele imposto no passado, beneficiando  representantes e delegados em todos os níveis, sem excluir as poderosas confederações, com eventos, congressos, viagens e festas nababescas. O Supremo tem diante de si fatos históricos, não apenas por ouvir dizer. Espanta, portanto, ressuscitar a velha benesse, quando sabe, também, que há um elenco de iniciativas, estas sim, capazes de fortalecer os sindicatos para o cumprimento de missões que têm correspondência com os interesses dos representados.

Faz parte desse elenco – como se registrou aqui há tempos – estender aos operários um direito de que já dispõem os cidadãos de organizar livremente suas associações; porque a eles o que se permite é ter apenas um sindicato em cada base territorial. Vale lembrar o que disse, certa vez, o ministro Marcelo Pimentel, do Tribunal Superior do Trabalho, “a base territorial é semelhante a um feudo, uma forma abstrata de governar autoritariamente, através de organismos autoritários, as associações civis”. Os sindicatos, as federações e confederações consagram um monopólio. O Supremo poderia cuidar disso, se quisesse.

Não será com a tentativa de promover mais uma agressão contra o pálido salário do operariado, confiscando-lhe, na folha, o fruto de um dia de trabalho, que as coisas vão melhorar no fortalecimento das representações classistas. Há coisas muito mais importante e menos agressivas para se fazer.

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