quarta-feira, 17 de setembro de 2025

 

A Pauta é Política



Sobre Tarcísio


A importância de Tarcísio Delgado na história política de Juiz de Fora, morto na semana passada, não se restringe aos três mandatos como prefeito, que o colocaram à frente do município durante 14 anos, jornada de tanto tempo que, antes, só ocorrera no século 19, com o prefeito José Procópio Teixeira. Tarcísio também foi um marco na renovação de lideranças, como bem lembrou, durante o velório, o ex-prefeito Custódio Mattos, que, como Marcus Pestana e Margarida, começou na política pelas mãos dele.


Seus primeiros tempos na vida pública, meados da década 60, haviam sido resultado de muitas reuniões em que se discutia o futuro da cidade. Era no escritório de advocacia de seu mentor, José de Castro Ferreira, também frequentado por Roberto Medeiros, Ivo Jacques de Melo, Amílcar Padovani, entre outros. Uma sala do quarto andar do edifício Clube Juiz de Fora. Desse grupo, o primeiro a disputar a prefeitura foi Wandenkolk Moreira. Tarcísio era um dos nomes cogitados para a Câmara Municipal. Prevaleceu o dele, recém-saído da Faculdade de Direito, além de contar com testado prestígio em Torreões, de onde viera ainda adolescente. As previsões estavam corretas, pois foi o mais votado em 66. Desde então, sua carreira poder ser definida com um característico jeito de ser, segundo palavras de Ulysses Guimarães, com quem conviveu n Câmara: “franco, direto, objetivo, sem subterfúgios”.


Há muita coisa a recordar. Lembro-me do dia 30 de junho de 2015, quando ele e eu fomos convidados, pelo colégio Stela Matutina, a participar de um simpósio sobre Redemocratização. Tomei nota de sua intervenção: “um dos males da ditadura foi a fragilização dos partidos e o desprezo pelos políticos”. Depois, no mesmo encontro, deu testemunho das divergências pontuais de FHC com o ministro Murílio Hingel. O presidente pretendia um Plano Real sem compromissos imediatos com a Educação, e foi advertido que, se insistisse, o Congresso reagiria.


Neste breve registro cabe, ainda, uma sugestão. Trata-se da preservação do acervo da Casa de Memórias, onde ficou guardada farta documentação sobre essa vida quase nonagenária (faltaram poucos dias, porque aniversaria em 4 de outubro). A prefeitura podia ter um espaço adequado

para a guarda do material, destinado a futuras consultas. Há documentos importantes sobre a experiência que ele teve como vereador, presidente da Câmara, prefeito, deputado estadual e federal, diretor do antigo DNER no governo Fernando Henrique. Há, também, registros que falam de sua passagem por um dos momentos mais graves da política nacional, quando das tentativas de retomada da democracia, banida em 64. Como deputado, era integrante do grupo chamado Autêntico, que se jactava de não dar tréguas à ditadura.


Caso a prefeitura não assuma o acervo, hoje guardado num casarão amarelo do Granbery, a missão certamente caberia ao MDB, partido que ele ajudou a fundar em Juiz de Fora, e onde permaneceu por muito tempo.


As fotos:

Ele aos 4 anos; com Tancredo Neves;  casamento  com Isa;  traço de Bello;  cartaz de propaganda como candidato a  prefeito;  jogando futebol; identidade de vereador; com Mello Reis e Custódio Mattos, o três prefeitos em 27 anos; bacharel em Direito; com Ulysses Guimarães; diplomado na Justiça Eleitoral; com emedebistas, e Sílvio Abreu;  saindo de casa para o primeiro dia como prefeito. 



















terça-feira, 16 de setembro de 2025

 


Um olhar na geopolítica

((Wilson Cid, hoje, no "Jornal do Brasil" ))

Faz sentido a curiosidade de setores diplomáticos vizinhos sobre a decisão dos Estados Unidos de fundear, no Caribe, algumas unidades de sua poderosa frota naval, sob o pretexto de inibir o avanço do narcotráfico e seu acesso à Flórida. Como percebem os entendidos no assunto, dois ou três barcos, bem mais modestos, seriam suficientes para desempenhar a contento a missão policial. Todos entendem que ao ostensivo deslocamento, envolvendo milhares de soldados, caberia pressionar a Venezuela a se ver livre do ditador Maduro, já antecipando prêmio de 50 milhões a quem entregá-lo.

Não há negar. Mas seria conveniente tomar em conta que as intenções de Washington são mais ambiciosas, destinadas a ocupar espaços estratégicos na região, quando as grandes potências, e entre elas a terra dos ianques, percebem que o mundo vai provocando redefinições sobre a geopolítica, já que para a atualidade não bastam as territorialidades e influências tratadas, em parte, no pós-Guerra Mundial, ou, desde os anos 80, como resultado quase natural do fim da União Soviética. No confronto de prestígio com o outro lado do mundo, onde florescem e se aproximam China, Rússia e Índia, parece claro que os americanos procuram sinaliza um poderio militar; como se advertissem que na América Latina as ambições do Oriente não terão vez. Querem ser os donos deste pedaço do mundo. Não pode ser outra a intenção daquela frota caríssima e ostensiva surfando águas latinas, que banham povos nem sempre em boas pazes com os vizinhos do Norte, a despeito de o saldo da convivência envolver certas tradições culturais semelhantes, que também influem.

A se confirmar o que, para alguns, não vai além de especulações em campo livre, seria prudente admitir que a Casa Branca vem lançando mão de outros propósitos, além dos mais aparentes. No frigir dos ovos, para o presidente Trump e seus assessores, teriam importância menor a cabeça do ditador venezuelano e mesmo o insucesso, na Justiça, do amigo brasileiro Jair Bolsonaro, que eles tanto admiram. Trump não tolera Maduro e aprecia o ex-presidente, contra quem o Supremo Tribunal pesou a mão; mas isso não quer dizer que, sacrificando objetivos maiores, pretenda ir além do castigo das sobretaxas, sanções comerciais e diplomáticas. No Brasil, alguns parlamentares fantasiam a realidade dos fatos, acham que os Estados Unidos iriam a uma luta mais profunda em nome de nossas questões domésticas. Improvável que dessem mais do que o necessário.

Estas breves divagações levam à constatação de que a política brasileira ainda não deu devida atenção às novas complexidades da dinâmica geopolítica, embora de suas implicações certamente não teremos como escapar. Queiramos ou não, já estamos no centro das grandes disputas.

É tema que ainda não sensibilizou o Congresso Nacional, mesmo que as evidências recomendem atenção, até porque o governo federal antecipa alguns desafios, não apenas ao colocar em xeque as velhas relações com Washington, mas por apostar num mundo diferente daquele com que nos identificamos, como parte do mundo ocidental. O envolvimento com o Brics, a guerra ao dólar, o afago aos que são antipáticos a Tio San já deixaram bem claro como Brasília quer se situar no futuro.

Não seria desperdício de tempo se passássemos a oferecer maiores atenções à geopolítica, que vem se assanhando com incríveis desafios nos mais diversos campos nas relações entre os países, afetando comércio, indústria, espaços físicos, responsabilidades ambientais e criando guerras. Nesse emaranhado, antigos conceitos e compromissos vão sendo questionados à luz da evolução de um mundo de tantas inseguranças.

terça-feira, 9 de setembro de 2025

 


Tempo de ameaças e desafios

(( Wilson Cid, hoje, no "Jornal do Brasil" ))

Veio o Sete de Setembro, para mostrar que as lideranças políticas conseguiram construir um país realmente dividido. E, como nunca antes, a normalidade afetada por divergências agressivas, os discursos transformados em sinais de guerra, os grandes chefes arredios ao indispensável diálogo, que acabou reduzido a papel secundário na vida pública, quando, na verdade, devia ser o primeiro entre os valores da convivência em clima civilizado. Pois a comemoração, ironicamente cívica, aprofundou diferenças, dobrou o calendário sem sugerir luz para a retomada de uma convivência em que os grandes interesses nacionais se sobreponham aos problemas da hora. O que se sentiu nas manifestações foi o oposto ao ideal. Em sonho, desejou-se que o dia da pátria, depois de recolhidos canhões e bandeiras, de volta à casa os milhões de manifestantes, descobrisse nas ruas o caminho por onde podemos vencer o grande desafio e as tensões que vive o Brasil hoje.

Mais grave foi subir aos palanques o temor que progride na crise entre os três Poderes; tudo para preocupar a quem cuida, com sinceridade e devotamento, dos destinos do país.

Esbarramos, então, num ponto verdadeiramente crucial. Já não dispomos de líderes talentosos e sem rancores, na atual conjuntura, o que impede celebrar acordos, conversar seriamente e vencer animosidades. Por sobretudo, pairam desafios e ameaças. É o que temos entre os governantes e entre os poderes. Se não vejamos. O Congresso, por conta da maioria de votos, pressiona anistiar todos os envolvidos na suposta trama golpista de janeiro de 2023, porque o julgamento a que estão sendo submetido é de natureza política, então politicamente tem de ser tratado. O Supremo Tribunal, ofendido, reage a isso, promete responder feroz às emendas impositivas, algo destinado a sufocar os planos de reeleição de deputados e senadores. O Executivo, de sua parte, antecipa a campanha eleitoral, e reduz todos os desafios à bandeira da soberania. Tenta mostrar um Brasil à beira de ser invadido pelos ianques.

Quando as diferenças políticas tomam corpo, como está acontecendo agora, a ausência mais sentida é a do pacificador. Difícil encontrá-lo, porque quaisquer que sejam os horizontes, o que se vê é gente armada, punhos fechados, o azedume de dentes cerrados, os bombardeios pelas vias sociais transformadas em fábricas de agressões.

Tudo está ficando muito difícil.


Amanhã, para reflexão


Não foi apenas para ceder a mera curiosidade que quis saber como andam nossos cuidados legislativos ligados à saúde mental da população, já que a Organização das Nações Unidas recomenda especial atenção, amanhã, para o Dia Mundial de Prevenção do Suicídio. É um problema que ainda guarda mistérios e preconceitos, além de muitas sociedades tratarem disso como questão que deva ser limitada à tragédia dos distúrbios das pessoas, com elas conviver e com elas morrer. Vemos que, no Congresso Nacional, em uma década, deputados e senadores cuidaram vagamente da causa, resultando em 20 projetos, que acabaram não levando a grandes avanços. Como nem tudo está perdido, melhor foi saber que, no mês passado, lei federal passou a exigir que os Conselhos Profissionais de Saúde têm de cuidar diretamente desse problema. Já é um passo.

Em boa hora, porque ansiedades e frustrações acumulam-se sobre a mente de populações sensíveis nos grandes centros urbanos. Vale lembrar que não é exatamente correta a ideia de que os índices de suicídio afetam os países mais desenvolvidos, onde as populações sofrem o tédio de não terem problemas a solucionar. Engano. Os países menos contemplados também padecem, porque suas dificuldades são imensas; e estatísticas cuidam de aprofundar preocupações, por causa da alta incidência de jovens. É um detalhe para agravar e perturbar os cientistas. Albert Camus, falando a esses estudiosos, lembrava que o autoextermínio tem a ver com a natural atração pelo nada, mas o ex-ministro Saulo Ramos contribuía com a visão de jurista, para dizer que “o mal do suicida é não dar direito de defesa à sua vítima, ele próprio, quando está fora de si”. As indagações são enormes.

(Mesmo com visões as mais diversas, ninguém pode discordar: os governos e a sociedade precisam investir tudo nas campanhas de prevenção, evitar essa tragédia, tanto quanto possível. Já se disse que, na História, apenas dois suicídios são aceitáveis – Judas Escariotes e Adolph Hitler).


terça-feira, 2 de setembro de 2025

 

Dúvidas para 2026

(( Wilson Cid, hoje, no "Jornal do Brasil" ))

A impossibilidade de elaboração de melhores previsões sobre a sucessão presidencial, quando ainda temos um ano com tanta coisa a acontecer e não acontecer, seria o suficiente para desestimular as lideranças políticas a inciativas apressadas. Algumas agem como se a eleição já batesse às portas; além do fato de que pesquisas que hoje são feitas, e nas quais se inspiram os apressados, só refletem um eleitor não totalmente definido sobre o voto tão distante; e também porque ele mesmo, o votante, é o que mais se deixa influenciar por fatores e circunstâncias de última hora. E a política aprecia mudar coisas nas vésperas. Portanto, convém não ignorar que, antes de as urnas entrarem em cena, acumulam-se fatores imponderáveis e surpresas possíveis, como bem sabem os veteranos que atuam nesse campo de tamanha complexidade. Os mais sábios nunca antecipam todas as cartas no pano verde. Estranhável, por isso, que alguns partidos já queiram apear da base política do governo, sem saber exatamente aonde ir.

Um detalhe que talvez mereça ser considerado, antes de qualquer outro, quando a curiosidade é saber com quem o poder estará a partir de janeiro de 2027. Para a próxima eleição, esse detalhe está nos indícios, vários deles já salientes, de que serão numerosos os fatores capazes de influir no destino da Presidência da República. Em pleitos anteriores era possível alguma previsibilidade, por causa da consistência dos grandes partidos, o que não temos hoje.

A primeira dúvida, justificada, surge do destino do próprio presidente Lula, apontado como favorito em algumas capitais e cidades de grande porte. A dúvida é que ele condiciona sua entrada na peleja eleitoral às condições de saúde que terá no momento em que se torna o ancião octogenário. Mesmo que apregoe vigor suficiente, tem consciência de que o peso do tempo impõe regras e limites, como também prevalece o desgastado ânimo para se debater com problemas insolúveis. É natural. Pior é que, na hora de confrontar o desejo de continuar e a realidade do ônus, achando conveniente afastar-se, terá pela frente o desafio de escolher, patrocinar e garantir um candidato leal e factível eleitoralmente. Lula, como o bambuzal do agreste, não deixou quem crescesse ao redor, capaz de produzir sombras próprias no final da jornada, que vai chegando. Acresce o risco de, tentando o quarto mandato, não ter pela frente o espectro Bolsonaro, depois de nele passar investindo quatro anos de críticas e contrastes, elegendo-o como razão de todos os seus demônios.

Prever como andarão as coisas, e como estarão daqui a um ano e mês, também esbarra em dificuldades para medir o potencial que no momento decisivo terão os governadores, os principais deles muito bem avaliados. Assim permanecendo, alguns virão em condições de disputar. Se não disputar, influir decisivamente. Seria perigoso não olhar o patrimônio eleitoral de Tarcísio, Caiado, Ratinho Jr, Eduardo Leite, Romeu Zema e Raquel Lyra, todos com mais de 50% de aprovação. Semelhante quadro esteve ausente em disputas presidenciais anteriores. Mesmo todos com ambições miradas no mesmo alvo, uma ocasional afinidade entre eles, alguns ou todos, seria capaz de mudar o cenário das urnas.

Esse 2026 não vai chegar sem que antes se dissipem muitas dúvidas.

terça-feira, 26 de agosto de 2025

 



Desafios da COP30
((Wilson Cid, hoje, no "Jornal do Brasil"))

Ideal seria contar com a participação pessoal do presidente dos Estados Unidos na Cop30, em novembro, no Pará, centro e coração da Amazônia dilacerada e incendiada, onde avulta um dos maiores desafios ambientais dos últimos tempos. Participação indispensável, não apenas por ser o primeiro representante de um país que detém imensa capacidade de gerar influências; mas, também, por governar um território que figura entre os maiores causadores de agressões ao clima, indesejável peso que até há pouco dividia com a China. Não mais agora, porque Pequim vai assumindo sua cota de responsabilidade, avançando significativamente para energias alternativas. O presidente Trump, convidado, recusou-se estar presente, o que não causou surpresa, porque não é de hoje sua convicção de que os caprichos naturais são excessivos e românticos, não podem impor limites à produção industrial, sendo ela poluente ou não. Para sua ausência certamente contribui o desejo de não prestigiar o colega brasileiro, anfitrião do encontro, com quem vem divergindo sobre assuntos gerais. Constatar essa ausência é pena, porque a adesão americana a uma questão de inegável prioridade para o bem geral, ajudaria o mundo a refletir, dando-lhe devida prioridade.

Sem o presidente e sem funcionários credenciados a assumir compromissos e novos passos rumo à política ambiental, lamenta-se também o fato de, logo agora, a paisagem da Amazônia e vizinhanças estar contemplada com o aparato bélico dos Estados Unidos, na caça ao venezuelano Maduro e aos narcotraficantes, que operam com desenvoltura na região. Criou-se um clima tenso, ao contrário do clima ameno para acolher a conferência.

Há outras preocupações que vêm se alinhando para desafiar amplo êxito da Conference of the Parties. Por exemplo, as delegações que cancelaram inscrição, por causa do assalto que os hotéis paraenses tentam praticar contra os visitantes, cobrando valores exagerados para hospedagem. Mas esta não é razão de se ausentarem de evento de tal magnitude.

( Tentando uma explicação para tal volúpia, parece que os hoteleiros de Belém deixaram-se contaminar pela história de nababescas viagens oficiais do Brasil. Seguem o mau exemplo, e ficam com uma cota das culpas que comprometerem a Cop30).
Sem exageros e lamúrias, nem excessivo pessimismo, digamos apenas que, além dos desafios que são inevitáveis quando se tenta promover encontro internacional de políticos, cientistas e estudiosos, interessados em salvar o clima do mundo, há que se observar, igualmente, como particularidade sentida, certo desânimo da parte de lideranças nacionais. A começar por alguns governadores. Os estados integrantes da Federação, independentemente do que vai chegar de outras partes do mundo, têm razões próprias e de sobra para contribuir com propostas objetivas, colhidas em experiências climáticas acumuladas. Se há uma preocupação quanto ao que podemos respirar, a reavaliação da qualidade dos recursos ambientais no Brasil tem muito que debater. E fazer. Vem logo à memória a necessidade de o Congresso sanear dezenas de velhos projetos ambientais dispensáveis, a fim de que todos os esforços se concentrem no fundamental e de rápida tramitação.

Não precisamos importar tragédias, porque já sofremos bastante com desastres locais, resultantes do clima desordenado. Que o digam os gaúchos, afogados em temporais, ou nordestinos assolados pelas secas.

Exatamente pela importância do evento de novembro sente-se que não são poucos os entraves destinados a esvaziá-lo. Porque falar em meio ambiente assusta as engrenagens econômicas, mais poderosas e influentes nos lugares de grandes produções. Mas certo que chegará o dia em que o mundo, para não morrer asfixiado, terá de avançar em novas políticas ambientais. A par disso, não será ousaria ou romantismo vulgar afirmar que os cuidados com o clima, por terem parte comum com todos os povos, são também o melhor caminho para se construir a paz universal. Não de imediato, mas o dia chegará. Sem dúvida

terça-feira, 19 de agosto de 2025

 


A corda vai esticando

((Wilson Cid, hoje, no "Jornal do Brasil"))

Se, com todas as evidências de deterioração, as relações Brasil-Estados Unidos caminham mal, o problema se acentua por causa dos limitados caminhos disponíveis para que os dois países retomem o diálogo. Caminhos que vão se estreitando, com a contribuição de setores políticos ou ideológicos, interessados no distanciamento. Em cada gesto, de onde quer que parta; as promessas de retaliação ao vento; as más-vontades recíprocas, tudo estreitando espaços para futuras negociações produtivas. O que, neste momento, faz supor que nunca preocupou tanto uma convivência de dois séculos, algumas vezes com acidentes superáveis, outras nem tanto, como a ostensiva contribuição de Washington para o golpe de 64, que machucou nossa democracia e deixou sequelas.
(As grandes crises entre países, mesmo distantes das armas, guardam uma semelhança estratégica com as guerras: elas eclodem por causa de detalhes, mas é sempre muito difícil sair delas. Como dar um capítulo final nessa batalha que travamos com Trump?)
A Casa Branca encontrou na perseguição do Judiciário ao ex-presidente Jair Bolsonaro o mote para as desavenças, ao mesmo tempo em que concede ao filho dele, Eduardo, o papel de embaixador com credencial unilateral, direito a tomar parte em reuniões e decisões de Washington. Influi no alvo americano de dupla face: esvaziar a autoridade do Supremo Tribunal e demolir o governo Lula, o que, hoje, parece ser uma questão de honra para o chefe dos americanos do norte. A propósito já é conhecida a faceta de sua personalidade, confessamente vingativo com os desafetos, entre os quais o colega brasileiro passou a ocupar lugar de destaque. Já não é pouco.
Estamos diante em um cenário que se agrava com o calor dos discursos.

2 - Nem precisaria do concurso de outros componentes que vão chegando, com tudo para aprofundar as feridas, os dois digladiam com palavras, e aprofundam o fosso, que já vai fundo.
Setores competentes e hábeis, no lugar deles, poderiam contribuir para o restabelecimento do ânimo de convivência, mas estão afastados. De fato, nesse episódio, profissionais da diplomacia e do diálogo foram removidos. Ninguém explica isso, convincentemente, se a hora é grave.
Washington e Brasília passaram a admitir que melhor é apostar na corda bem esticada. Nesse particular, não deixam dúvidas. Da parte ianque, o primeiro sinal, exatamente o mais delicado, foi conferir à sua embaixada em Brasília o nível de encarregada de negócios. Sinal claro de desapreço diplomático, agravado, concomitantemente, ao condenar a embaixadora brasileira a flanar nos corredores do Departamento de Estado. Diferentemente do deputado Eduardo Bolsonaro, que fala pela oposição brasileira, dispõe de trânsito livre e acessos credenciados, tratamento diferenciado, sem prévios agendamentos.

3 - Quais outros sinais seriam necessários?, depois de ser desenterrado o Mais Médico, aquela experiência maluca com Cuba, agora pretexto para impedir visto de viagem a familiares de ministro.
Em atitude recente, com caráter desafiador, já arranhando princípios básicos da cortesia diplomática, Washington celebrou, com o governo do Paraguai, um acordo de combate ao terrorismo do Hesbollah, na tríplice fronteira, sem a gentileza de um comunicado formal, tratando-se de um território onde o Brasil é parte, tem um pedaço. Mais ainda, porque esse convênio prevê a presença de representação militar estrangeira. A estranheza brasileira, claro, não significa negar um direito legítimo da política externa guarani.

Corda cada vez mais esticada. Quase num tempo único, o secretário Marco Rubio anunciava que as forças militares dos Estados Unidos estão autorizadas, na América Latina, a abater aviões colocados a serviço do narcotráfico, já denunciando Maduro como um dos chefes desse crime. Vale dizer que o avião dele é um dos objetivos. O presidente vizinho passou a ser procurado como bandido do velho Oeste, cabeça a prêmio, supervalorizada em U$ 50 milhões, o que a coloca em risco, porque milhares de venezuelanos gostariam de se tornar milionários, e depois saltar a fronteira do Brasil… Uma eventual perseguição aérea pode se estender sobre o nosso território, o que levaria a um incidente ou indesejável constrangimento.
Nada mais cristalino. Os Estados Unidos vão apertando o cerco sobre o canto sul da América, com inevitável risco para maiores tensões. O xerife dá sinais de que é capaz de jogar tudo nesse projeto. Lula, não é caçado, mas avisa que tem coragem para brigar. Coisa que diz ter trazido na mochila, quando foi exportado pelo Pernambuco…


segunda-feira, 18 de agosto de 2025

 

A Pauta é Política
18 agosto 2025

ZEMA EM CENA
O Novo sabe que ter o governador de um estado importante, como Minas Gerais, está longe de ser o suficiente, pois antes mesmo de se definir quanto à sucessão mineira e à Presidência da República, pretende cuidar, com muito interesse, da eleição de uma bancada expressiva para a Câmara dos Deputados. E aí quer destinar um papel importante ao governador, ao mesmo tempo em que ele procura situar-se no quadro político nacional, possivelmente como um nome para a vice numa chapa majoritária.
Interessante perceber que, antes mesmo de cuidar da sucessão de Lula, as atenções se voltam para o Congresso. Os bolsonalistas, por exemplo, não escondem seu fascínio por uma bela bancada de senadores.

ZEMA EM CENA (II)
Mas o governador aposta seu futuro político nas eleições de 2026 como candidato à Presidência da República. Em 2018 se apresentou como candidato a governador, e teve sucesso como outsider na política mineira, derrotando nomes e partidos consolidados no Estado.
Analistas políticos acham que nessa iniciativa eleitoral para presidente não terá êxito, pois os tempos são outros, e, embora bem avaliado no segundo colégio eleitoral brasileiro, faltam-lhe popularidade, prestígio e sorte para projeto de tal envergadura. Talvez lhe sobre um convite para vice.

SOCIALISMO
Quem ouviu o presidente Lula afirmar, num recente encontro partidário, que o melhor para o país é caminhar rumo ao socialismo, deve saber que também aí reside enorme dificuldade. Com que socialistas espera contar para a grande reviravolta? O partido que levanta essa bandeira, PSB, com raros idealistas sinceros, tem sua expressão maior no ministro Geraldo Alckmin. Mas não há alquimia capaz de transformá-lo em vigoroso defensor da quebra das estruturas capitalistas, nas quais, certamente, repousam suas convicções. Melhor seria o presidente não enveredar mais profundamente nesse propósito. Se não por outros motivos, para não acentuar as atuais divergências políticas, econômicas e ideológicas com o governo dos Estados Unidos e seus aliados, que não querem saber de socialismo; e geralmente declaram como adversários os que pensam diferentemente.

COMO SEMPRE
As pessoas que apreciam criticar a vereança, pelo que faz ou deixa de fazer, certamente ainda não travou conhecimento com os relatórios do fiscal municipal José Cândido, que em 1861 acusava os vereadores de passar por cima do Código de Posturas. Eram os primeiros a desrespeitá-lo. Desrespeitavam o que criavam…
Nessa época, vereador, além de nada ganhar, pagava multa de 4 mil réis por ausência não justificada nas reuniões.

SOBRE KASSAB
A capacidade de articulação de Gilberto Kassab, do PSD, é coisa que os políticos conhecem de sobra. Ligado, por razões diversas ao governo federal, transita com igual desenvoltura na oposição. Muito influente no governo paulista de Tarcísio Freitas, para quem trabalha, diz que seu partido só não disputa a sucessão de Lula com candidato próprio, em 2026, se Tarcísio for candidato.
Quanto a Minas, onde a política é sempre manhosa, ele afirma que a candidatura de Rodrigo
Pacheco é para ser considerada, mas não disse se tem disposição de apoiá-la.

EM COGITAÇÃO
O atual secretário de Meio Ambiente da prefeitura de Belo Horizonte, o juiz-forano João Paulo Mena Barreto de Castro Ferreira, figura entre os nomes cogitados para disputar uma cadeira na Assembleia Legislativa. Resultado do bom trabalho que realiza na capital mineira, depois de ter participado da diretoria da Cemig. João Paulo é filho do ex-deputado José de Castro Ferreira, que, nos anos 60, teve em Juiz de Fora seu principal reduto eleitoral.

SEM PACHECO
Os mais recentes acontecimentos em Brasília permitem admitir que Minas vai superando a possibilidade de ter o senador Rodrigo Pacheco como candidato a governador em 2026. Mesmo figurando, há meses, como favorito de Lula, o senador evoluiu como o nome mais cotado no Planalto para ir ao Supremo Tribunal, na vaga de Luiz Roberto Barroso, que decidiu antecipar aposentadoria. Sairia ainda neste ano. Com isso, os projetos lulistas dos mineiros deslocam-se para Alexandre Silveira, ministro das Minas.
Mas esse é um quadro que ainda depende de outros componentes.

A LICITAÇÃO
O jornal O Pharol aponta a contratação, pela prefeitura, do serviço de carro que circularia pelos bairros registrando imagens de obras necessárias, como algo irregular, por inexigibilidade de licitação. A administração municipal deve saber, pois tem assessoria técnica para instruir os atos da prefeita. Mas, a contratação direta de uma empresa, mesmo que com tecnologia de ponta, deve ter o cuidado de saber sua vida pregressa. No caso da citada, conforme a matéria aponta, ela já foi motivo de questionamento judicial do Ministério Público do Tocantins, com decisão favorável da Justiça daquele estado, em 2023, com suspensão de contrato com a prefeitura de Palmas.
Seria oportuno a Câmara se manifestar, pois tem competência e dever de fiscalizar.

PRIVILÉGIO

O deputado Aécio Neves levantou-se contra a proposta do fim do foro privilegiado para parlamentares, tema que ganhou dimensão quando ele presidiu a Câmara. Mas houve uma nova mudança de entendimento no STF. Em 11 de março último, a corte decidiu que as investigações iniciadas ali, e que tenham relação com o mandato ou a função do político, devem continuar sob sua análise, mesmo depois do fim do mandato.
A decisão recebeu críticas dos congressistas da oposição, uma vez que manteve os processos do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) no Supremo.
No início deste mês, o debate ficou intensificado na Câmara, po