Insegurança: causa e efeito
((Wilson Cid, hoje, no "Jornal do Brasil" ))
São muitas as razões para continuar perturbando a vida da população carioca na semana que se segue à tragédia da eliminação, em massa, de uma centena de criminosos nos redutos do Alemão e da Penha, o que, longe de unir os governantes e despertá-los para mergulhar nas verdadeiras causas, serviu para mostrar como estão divididos e separados. Sem que escape ao observador um aspecto que espanta, de difícil aceitação. É a desconfiança da União e dos principais estados quanto às responsabilidades frente à crise gerada pela insegurança. Na verdade, atribuições bem divididas, nesta hora, deviam estar plenamente esclarecidas e acatadas. Os governadores de oposição ao governo Lula, que acabam de se reunir em consórcio de solidariedade, para dar apoio moral e material ao colega fluminense, acham que o Palácio do Planalto alimenta simpatias com setores do crime organizado, notadamente no tráfico; se não simpático, ao menos tolerante, porque sonega dados obtidos em diligências e esconde as fontes de lavagem de dinheiro sujo. Uma ilação grave, que reclama apuração. Diante disto, os executivos estaduais, de inspiração direitista, não dissimulam a intenção de continuar resistindo à proposta de unificação das lutas contra o crime, amarrando a PEC da segurança pública, obra do ministério da Justiça, que entra em debate na Câmara dia 4 de dezembro. O doutor Lewandowski não conseguiu convencer os governadores de que a unificação de esforços, em nome da segurança nacional, em nada fere a autonomia dos estados num setor tão delicado.
Eis uma constatação dolorosa. Se o crime caminha cada vez mais organizado e influente, os patronos da segurança conflitam.
Os porta-vozes da esquerda insistiam, ainda ontem, que as incursões policiais estão sob suspeita de excesso de violência, e voltaram a denunciar o descaso com o mínimo de preservação dos direitos humanos: criminosos abatidos como gado no matadouro em que foram transformadas as comunidades dominadas pelo tráfico.
(Percebe-se que os cento e poucos mortos já estarão esquecidos, dentro de um ano, mas a tragédia que protagonizaram terá força para subir aos palanques, como um dos temas favoritos da campanha eleitoral. Sem que faltem sutilezas, como a defesa vigorosa de que são muito diferentes terroristas e traficantes; estes sem o conteúdo ideológico daqueles. Se isso fosse suficiente para abrandar as dores. Falta explicar se é possível aquele terror, sem que haja terrorista).
Nunca se sabe aonde pode parar essa crise, que, se não bastasse em si mesma, pois condena a população a permanente sobressalto, acresce larga contribuição para a ruína do federalismo. A Presidência da República e a governadoria dos grandes estados não se sentem suficientemente animados a aparar arestas políticas e somar esforços em torno de uma causa única, que pede tratamento imediato, muito acima dos embates eleitorais. O espírito da Federação já padece por causa de vários outros desafios, como a desigualdade de renda e ausência de identidades suprarregionais. Tem direito de ser poupado dos desencontros que vão evoluindo para agravar a segurança pública.