quinta-feira, 26 de outubro de 2017






TOLERÂNCIA 


O Dia da Intolerância é como se poderia chamar o 29 de outubro de 1917 – há exatos 100 anos – quando ocorreu o mais grave entre os conflitos político-religiosos da cidade. Foi a manhã em que católicos e protestantes reeditaram aqui os conflitos então comuns na Europa. Os bispos Tarboux e Soper acabavam de publicar artigos na imprensa local ridicularizando os católicos por causa da confissão auricular, ao mesmo tempo em que definiam as missas como “coisa de heresia”. Os padres reagiram, pregando que “precisamos salvar a Igreja dos lobos protestantes”. O  conflito saiu dos púlpitos e chegou às ruas, com agressões. Anos antes, 1891,  bispos protestantes foram apedrejados,  tiveram de fugir para a Praça da Estação , protegidos por policiais, que também foram apedrejados. Em 1894, para explicar o clima de permanente tensão, um pastor teve sua casa invadida na Rua de Santo Antônio.

Em plena Primeira Guerra, que se alastrou de 1914 a 1918, a Academia de Comércio foi apedrejada por nacionalistas fanáticos, por saberem que naquele colégio a maioria dos padres era de origem germânica. A Academia teve de suspender a circulação do “A Bússola”, jornal da Congregação do Verbo Divino. O padre Leopoldo Pfad, superior-geral da Congregação, foi obrigado a  deixar o vicariato, o que se explicou como “conveniência internacional”. Na Rua Halfeld, a Confeitaria Viena, famosa pelas instalações e pelos serviços que oferecia, foi forçada a mudar de nome e passou a ser Confeitaria Fluminense.

Quando veio a Segunda Guerra, em 1939, a patriotice ainda não havia sido condenada a se tornar coisa do passado. Novamente a Academia de Comércio foi alvo de violência, graças a um bando de exaltados que haviam saído de um comício revanchista no Parque Halfeld. Os alemães aqui residentes, que nada tinham a ver com a tragédia nazista, foram muito hostilizados. Não faltaram  excessos: a Rua Itália foi rebatizada como Rua Oswaldo Aranha, a Berlim virou Avenida Governador Valadares. A Casa D' Itália foi momentaneamente confiscada pelas autoridades brasileiras. Na Rua Sampaio pedras eram atiradas na casa do prefeito Raphael Cirigliano, e as hostilidades chegaram a tal ponto que o Estado decidiu transferi-lo para São Lourenço.

Conta Roberto Dilly, do Instituto Teuto-Brasileiro, historiador da colônia germânica, que o avô Felipe Dilly, chegou a ser detido num bonde do bairro Fábrica, porque conversava com alguém  em alemão... Aos moradores da Colônia São Pedro atribuía-se a fantasiosa suspeita de que ali se motava um arsenal bélico “para a invasão da cidade no momento oportuno”, como publicou o Diário Mercantil. As cervejas, que chegaram a 12 naquele bairro, tiveram de mudar de rótulo. Nada em alemão. A Casa Surerus, que fabricava carroças, também foi alto de agressões.

Mas as restrições às nossas cervejas vinham de longe. Em 1891, quando se discutia a saída da capital de Ouro Preto, sendo Juiz de Fora citada como possível substituta, vivíamos às turras com aquela cidade, onde o padre Camilo Veloso convocava os jovens a “derramar seu sangue no ódio a Juiz de Fora e não consumir  cervejas daquela gente”,  mas aqui os agressores não deixaram por menos: diziam que a velha Vila Rica era “um dente com cárie imprestável”.


Na crônica das intolerâncias, num passado ainda mais remoto, vamos ver publicada a Resolução 936, de junho de 1881, determinando que qualquer pessoa da raça cigana não poderia permanecer mais que 24 horas na cidade, e quem comprasse de ciganos ou a quem a eles vendesse pagava multa de 60 mil réis...  





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