terça-feira, 23 de janeiro de 2024

 


O raquitismo partidário



((Wilson Cid, hoje, no "Jornal do Brasil" ))




Os que vão disputar cargo eletivo em outubro têm prazo de um mês, a partir de março, para mudar o domicílio partidário. Consideradas as expectativas de uma eleição que promete estar temperada pelo radicalismo, espera-se grande revoada. O que permite admitir e antever o destino das grandes câmaras municipais, como as do Rio, S.Paulo e Belo Horizonte, condenadas a legislaturas carentes de autenticidade partidária: pois os que vão levantar voo sairão desobrigados dos programas aos quais juraram fidelidade; os que se filiarão a novas siglas certamente não terão com estas maiores deveres. Até porque apenas acabam de chegar e nem se sabe até quando ficarão.

Essa faculdade concedida pela legislação nos coloca diante do fenômeno que se convencionou chamar de “janela partidária”, definição que até sugere menoscabo, porque, sem ter a largueza das portas, abre apenas uma janela, através da qual saltarão candidatos incomodados.

A legislação, sempre generosa nas condescendências e tolerante quando se trata da cobrança de obrigações e deveres, contribui, nesse particular, para a crescente obra de esvaziamento dos partidos, dos quais já nem se espera seriedade em relação a programas e plataformas. Permite que os agentes políticos com mandato entrem e saiam, com singular desenvoltura, como, com toda certeza, se verá na grande revoada que se espera entre março e abril. Os futuros candidatos, de malas prontas, a nada mais aspiram além de aproveitar os resíduos entornados dos trancos e barrancos inevitáveis do processo de radicalização entre lulistas e bolsonaristas, o que é certo de acontecer, por mais indesejável que seja.

Com três dezenas de legendas abençoadas no país, a acrobacia dos oportunismos confirma agora, como já revelara bem antes, que nossos partidos deterioraram-se, na forma e na essência. Diremos que, quanto mais vazios, mais empenhados em se esvaziar. E se, em algum dia, alguém tentar consertar as disfunções, melhor será começar por reduzi-los a um número significante e necessário, abortados aqueles que tradicionalmente vivem e sobrevivem de expedientes marotos, que a própria lei permite, como essa janela que vai se escancarar dentro de mais algumas semanas.

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Sem mudar de assunto, mas com outro enfoque, registre-se que a mais recente novidade a chamar atenção foi o acordo de colaboração celebrado entre o PT e o Partido Comunista Chinês. No Brasil, pouca importância foi dada a esse entendimento; quase não se fala nisso, ao contrário do que se deu em relação aos visitantes, que exaltaram os resultados da visita, com repercussão fora do país. Suas intenções já estavam claras, ao enviar, como chefe da delegação, nada menos que Li Xi, um dos poderosos de Pequim, chefe da disciplina de 97 milhões de adeptos. Uma chefia que não deve estar entre suas tarefas mais difíceis, porque na China não há sindicatos e organizações políticas para exigir melhores salários e fim das jornadas de 90 horas semanais... Sindicato único, o governista. O presidente Lula também esteve com Li Xi, esqueceu de dizer que tem origem sindicalista, mas garantiu suas simpatias em relação aos comunistas.

Então, o que teríamos de aprender com os chineses sobre organização partidária e sindical?, se aqui temos centenas dessas entidades, e eles com apenas uma em funcionamento. E, da parte deles, quais as nossas experiências que gostariam de importar? Em ambos os casos, tudo muito duvidoso. A direção petista ainda não deu explicações objetivas dos propósitos, a não ser a possível acolhida de vivência administrativa. Mas é certo que também aí haveria dificuldades para qualquer imitação. Somos diferentes em quase tudo, a começar por um conceito diverso de liberdades individuais.

(Os orientais, extremamente gentis, certamente não diriam à presidente do PT, como efetivamente não disseram, que, sob o modelo chinês, se ela contestasse a política econômica do governo, como tem feito, já estaria recolhida a um longo castigo penitenciário…)

Mais importante nessa pauta de colaboração, o que, em primeiro lugar salta irremediável, é, como se disse, o fato de a organização política brasileira contemplar o pluripartidarismo; e nesse particular os chineses obedecem a mão única. Sendo apenas uma sigla, não têm, por exemplo, como mudar filiações, detalhe que também nos torna bem diferentes, porque aqui as filiações e desfiliações são espetáculo comum e corriqueiro. Não há salvação para quem estiver fora do que pensa politicamente o governo dos visitantes.

Resta o detalhe dos interesses comerciais bilaterais, o que há mais de uma década mantém a China como o maior cliente do Brasil. O que realmente não pode ser desconsiderado, mas há, em paralelo, gestos de boa vontade do governo brasileiro altamente significantes no campo diplomático, como a recente defesa da tese de “China única”, insinuando a volta de Taiwan ao continente. Os chineses voltaram pra casa sorrindo. Ganharam um aliado precioso numa causa polêmica, antipática à maioria dos países ocidentais. O que já poderia estar creditado – quem sabe? - entre os melhores resultados do recente namoro com os petistas.


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