No aniversário, coisas da política
A um leitor que envia mensagem, identificando-se como Nascimento, a proximidade da data do aniversário da cidade, a transcorrer amanhã, ensejaria algumas anotações sobre a importância de Juiz de Fora na política nacional, nas primeiras décadas de sua História, o que, para muitos, seria vagar por fatos isolados, fora de contextualização mais expressiva. Seja como for, alguns fatos merecem registros, e vale repassá-los, à guisa de celebração da data.
Quando se busca o passado, sempre se ouve falar que a expressão da cidade raramente se converteu em poder. O que é fato. Ela influía, muitas vezes ajudou a tomar decisões, mas foram poucos os que daqui saíram para governar Minas e o Brasil. Primeiro exemplo sem sair de Minas: em mais de 150 anos, ao palácio da Liberdade só chegamos cinco vezes, o que contrasta com a importância local, não só na política, como na economia e na cultura.
Começando pelo Estado, com Luiz Eugênio Horta Barbosa ( 1842-1927), que presidiu a província em 1887, por um ano. O que, a bem dizer, não era pouco, porque, naquela época, a alternância se fazia à sombra de fatores diversos e interesses imediatos da corte; tanto assim, que Horta Barbosa também governou Espírito Santo, Piauí e Alagoas, em todos os casos por poucos períodos. Mas mandava pra valer! Foi pecuarista, um dos fundadores da Escola de Direito do Granbery, teve seu nome tristemente ligado à Hospedaria dos Imigrantes Italianos, página terrível de desumanidades. Outra tragédia: com recursos próprios financiou dois pelotões para a Guerra do Paraguai, facilmente derrotados. Nenhum dos nossos heróis voltou vivo.
2 - Em 1926, Antônio Carlos Andrada, vereador e agente executivo em Juiz de Fora, foi eleito presidente de Minas, onde realizaria obra expressiva na educação, além de inovar nas eleições com o voto secreto. Mas logo tornou-se uma expressão nacional. Liderou a Aliança Liberal de 30, e teria sido presidente da República, não fosse a resistência dos paulistas em manter a candidatura de Júlio Prestes. Ministro da Fazenda e deputado federal, dirigia a Câmara, substituindo Getúlio Vargas, quando este viajou para Argentina e Uruguai, de 17 de maio a 8 de julho de 1935. (a Constituição de 34 havia eliminado a figura do vice-presidente da República). Recusou-se a receber “os dias trabalhados”, alegando que seu sonho era estar onde esteve naqueles dias. Portanto, nada a cobrar nem a receber.
3 - O terceiro de Juiz de Fora a governar o Estado foi Nísio Batista de Oliveira. Dirigia o Tribunal de Justiça, quando assumiu, em meio à crise nacional de 1945. Ficou no cargo durante ano e meio, depois que o presidente do Supremo, José Linhares, mandou que se fizesse tudo para tirar as forças de Benedito Valadares. No seu período estava em tela o grave problema do Contestado, terras disputadas por Minas e Espírito Santo, com muitos choques armados e mortes.
Depois, veio João Tavares Corrêa Beraldo, nomeado pelo presidente Dutra. Governou apenas durante seis meses. Terminou seus dias como diretor do Banco de Crédito Real.
Itamar Franco fechou o ciclo dos homens de Juiz de Fora no Palácio da Liberdade. Com um detalhe: mais tarde, ele e Nilo Peçanha, do Rio de Janeiro, foram os únicos que governaram seus estados depois de terem sido presidente da República. Em Brasília, onde chegou como vice de Fernando Collor, e a quem substituiu, o ponto alto de sua biografia seria o Plano Real, que reorganizou a política financeira do país.
Teriam sido seis os governadores conterrâneos, se Lúcio Bittencourt, do PTB, na década de 50 vencesse Bias Fortes (PSD) e Bilac Pinto (UDN ). Interessante sobre Lúcio: na campanha, ele foi a todas as cidades mineiras onde um avião pudesse descer. No dia 9 de setembro de 1955, viajando para Araçuaí, caiu seu Cesna PT-AIF, e ele morreu em Itaobim.
Não há negar a presença da cidade em momentos políticos decisivos, embora, como se disse, nossas lideranças nem sempre souberam reter nas mãos o poder que ajudavam a construir. Uma
rara exceção foi Pedro Marques, que deixou de ser prefeito para se tornar vice na chapa vitoriosa de Olegário Maciel.
4 - Expressivo foi o prestígio dos chefes da cidade no Império, com D Pedro II. Eram 29 os barões e viscondes que aqui residiam, entre eles 10 administraram as províncias. Mas dois que não tinham título nobiliárquico, Halfeld e Mariano, foram os mais influentes.
( Ainda assim, observe-se que em 1860, eleição para Senado e Câmara Federal, votados aqui 113 cidadãos, o poderoso Mariano Procópio ficou em 19º lugar, com 201 votos para deputado. O mais votado foi Capistrano Alkimin, com 641 votos).
Quando caiu o imperador, houve festa dos republicanos, notadamente Constantino Paletta, Fonseca Hermes, João Penido, Luiz Detsi e Fernando Lobo. Mas apenas Fonseca Hermes, na Secretaria-Geral, e Lobo chegariam a compor o primeiro ministério, por algum tempo. Certamente que o “barulho” dos adversários do império estaria por merecer muito mais. A República caminhou, e, de fato, vamos ver que os nossos teriam merecido mais do que receberam.
Com a chegada de Floriano Peixoto ao palácio Itamaraty, sede do governo, os republicanos locais apenas ameaçaram algum voo. Constantino é eleito constituinte federal, Detsi e João Penido deputados federais, e Lobo havia se tornado ministro do Interior. Mas em 1897 Penido (pai) não consegue entrar na lista para o Senado, e se afastou da política. Fernando Lobo também se afasta, ao ser recusado para disputar a vice-presidência da República. Outro revés é que, constituído o Conselho de Intendência, a presidência ficou com Antero Lage Barbosa, que tinha sido conselheiro no Império. Era como emprestar a garrucha ao inimigo…
Interessante, como os mal sucedidos se dispunham a abandonar a política. Estêvam de Oliveira, em livro de 1911, escrevendo sobre a campanha civilista de Ruy, mostra que o deputado Duarte de Abreu, contrariado com a vitória de Hermes da Fonseca, também se retirou.
5 - Mas havia, no começo do século, uma excrescência capaz de justificar o desânimo. Eram as chamadas Comissões Verificadoras, que tinham poder de fulminar candidaturas, desde que considerassem nelas pequenas razões de invalidade. Em 1909 foi proposta a nulidade de 15.000 votos dados a Duarte de Abreu, João Penido e Francisco Bernardino. Votos transferidos para Artur Berrardes. Vitória da fraude. O jornal Pharol definiu como eleitor “fósforo”, o ausente ou morto que “votou”. Antes, 1900, circulava um manifesto, conclamando lideranças descontes com o PRM a ajudar na criação de um novo partido como reação à “farsa ridícula” de eleição dominada por oligarquia. O que não haveria de ser novidade em tempos seguintes.
Um detalhe da política daquele tempo, que merece voltar à lembrança, pois o passar do tempo manteve sua atualidade; pelo contrário, pode confirmá-la. Em 1933 e no ano seguinte, era grande o número de partidos: Republicano Mineiro, Progressista, Trabalhista, Liberal, Economista, Progressista da Juventude, Civilista da Mocidade, Autonomista, e, em formação, Clube Republicano Ditatorial. Diante disso, demos a palavra ao “Correio de Minas”, igualmente atualíssimo: “Trata-se, evidentemente, de inútil dispersão de esforços. Os partidos não se criam por simples vontade de algumas pessoas. Pressupõem a exigência de várias coisas, a começar por eleitores” (edição de 7 janeiro 1933).
6 - Nos anos 30 vieram à cidade Washington Luiz e João Pessoa, para confirmar o prestígio local. Antônio Carlos realmente havia tornado Juiz de Fora o centro das atenções políticas. Sua casa, na rua do Espírito Santo, foi referência para Arthur Bernardes, Venceslau Braz, Afonso Pena Jr, entre outros, no dia em que se selou a Aliança Revolucionária, segundo acordos formados com Vargas e Oswaldo Aranha. Vale lembrar: foi naquela reunião, com a Revolução de Outubro já consagrada, que, pela primeira vez, falou-se em Getúlio para chefe do governo provisório, que estava para nascer. O mais longo “provisório” da História, que duraria 15 anos... Antônio Carlos também tinha seus inimigos nos cafés da rua Halfeld: “Doutor Promessa”, dizia-se.
( A Aliança Liberal obteve grande êxito aqui. Em 1º de março de 1930, a chapa Getúlio-João Pessoa recebeu 3.198 votos, contra 696 da chapa Júlio Prestes-Vital Soares).
A crônica da Revolução de 30 não pode ignorar a figura de Odilon Braga, que a cidade guarda entre as injustiças do esquecimento praticadas contra homens ilustres. Havia sido um dos mais influentes estrategistas daquele movimento, principalmente quanto às armas. Traçou os mapas para aviões e bombas aéreas de 50 quilos. Com o advento do Estado Novo, ditadura de Vargas em 37, tendo ocupado a pasta da Agricultura, foi o único ministro a discordar do golpe, demitindo-se.
(Uma curiosidade raramente citada sobre Odilon. Entre todos os políticos de Juiz de Fora foi o que mais recebeu votos em uma eleição. Em 1950, candidato a vice-presidente da República, teve 2.344.841 votos. Por causa de 176 mil votos perdeu para Café Filho).
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7 – A eleição de Dilermando Cruz, 1947, para prefeito, foi um marco. O primeiro eleito pelo voto direto na redemocratização. Com ele, a política municipal deselitizou-se, escapando da nobreza. Surge, então, o fenômeno do populismo de Olavo Costa, do velho PSD, que nas duas décadas seguintes ainda haveria de medir forças com os conservadores, representados por Adhemar Andrade. Estava começando um novo tempo. Mas isso é outra conversa, que fica para o aniversário do ano que vem.