Milhões de eleitores ausentes
(( Wilson Cid, hoje, no "Jornal do Brasil" ))
Terminou, ontem, a tolerância dada pelo TSE para que 5.129.608 eleitores faltosos se manifestassem, sob pena de estarem sujeitos a multas e limitações diversas no exercício da cidadania. São os que se ausentaram de três pleitos sucessivos, algo inadmissível num país em que o voto tem mão dupla, legalmente definido como direito-dever. Hoje, ficaremos sabendo quantos foram os que aproveitaram a última hora para a regularização. Mas, por mais numerosos que tenham sido, é certo que restou multidão de devedores.
Há duas curiosidades que chamam atenção. A primeira é que a própria Justiça e seus tribunais encarregam-se de empobrecer a importância do voto, ao determinar que o ausente seja multado em apenas R$ 3,51! Poucos desistiriam de Cabo Frio ou um domingo de churrasco, mas preferindo enfrentar a grave pena imposta, menor que meia lata de cerveja…
Outra curiosidade, da mesma forma instigante, é que os partidos políticos, que sem voto não sobrevivem, ficaram totalmente ausentes do esforço para sensibilizar e reconvocar os milhões de inadimplentes. Arrisco uma explicação: se os partidos calam é por imposição da consciência, porque são os primeiros a saber que o eleitor afastado da urna é o mesmo que anda decepcionado com os políticos e com a política.
O desinteresse tem levado a outras discussões, e é um dos argumentos mais frequentemente levantados pelos que advogam, não é de hoje, o fim do voto obrigatório. Não sendo uma imposição legal, prevaleceria o facultativo e opcional. Como tese, é algo que não deve ser desconsiderado.
O que esperar de uma CPI
Temos, quase como uma tradição, desconfiar da eficácia das CPIs do Congresso Nacional, que agitam, debatem, consomem dinheiro, e, em geral, a conclusões nada chegam, ou emitem pareceres conclusivos vagos e insuficientes. Uma das mais recentes foi a Comissão da pandemia, que durou muito, denunciou demais e corroeu a dignidade profissional de alguns estudiosos chamados a depor. Carregando algumas injustiças, acabou enterrada em cova rasa. Sofrimento restou apenas aos injustiçados, porque os criminosos, os que enriqueceram com a peste avassaladora, permaneceram livres.
Se ninguém for ao pelourinho, consola que ficamos conhecendo muitos maus brasileiros, alguns frequentes nos corredores e gabinetes do poder. Explica-se o atual esforço do governo para esvaziar a CPI do INSS. Preocupado, porque com o apetite praticado no assalto contra aposentados e pensionistas, fica difícil, impossível mesmo, evitar graves repercussões na estrutura política que o mantém. Resta, consequentemente, uma indagação: o que seria menos nocivo para o Palácio, esconder a verdade do fato ou expô-lo corajosamente?, sejam quais possam ser os desdobramentos.
Ainda assim, é importante não se desinteressar totalmente por elas, porque, ao menos, servem para expor crimes e delinquências. Ninguém vai preso, mas fica com a cara marcada. Se as Comissões de Inquérito mostram um pouco do que tem de ser mostrado já é alguma coisa, num país onde a impunidade é, a um só tempo, patronesse e prostituta.
Mas por que estamos desenterrando assunto tão calejado? A explicação vem logo com a nova CPI das Bets, que pode acabar sob o mesmo destino das anteriores, embora deixando um detalhe particular, que sugere muita atenção, exatamente a partir do depoimento de uma influencer, agora sob holofotes, Virgínia, insinuante e articulada, liderando 53 milhões de apostadores. Ela pode anestesiar os senadores, que tentam extrair o que todos sabem: o Brasil mergulhou, de cabeça, nas teias de uma jogatina desenfreada, sem limites, depois que o próprio governo emprestou sua colaboração, através da Caixa, administrando jogos diários, cuja gravidade reside exatamente no fácil acesso de assalariados, sobreviventes de biscates e até mendigos. Com Bets conclui-se a missão de popularizar as apostas, feitas com total facilidade por 20 milhões de aficionados do Esporte da Sorte. Graças ao cassino nacional e à inovadora sanguessuga, constrangido e inútil, já vai se recolhendo, agonizante, o velho jogo do bicho, criado em 1888 por João Batista Drumond para manter nosso zoológico.
Há coisas incríveis a serem consideradas sobre as Bets, no campo das consequências sociais, que o Senado precisa observar, prioritariamente. Apenas um entre os detalhes significativos: a febre das apostas está consumindo R$ 3 bilhões de inscritos no Bolsa Família, dos R$ 14 bilhões que o programa investe. No apelo à sorte difícil vai-se o dinheiro da comida, do aluguel, dos serviços indispensáveis. Não seria exagero dizer que estamos diante de uma tragédia social.
(Entre os temores com a proliferação das apostas, está o vício contínuo e crescente, que pode levar até à tragédia. Fenômeno que Dostoievsky definiu em “O Jogador”: “vertigem do ganho e da febre da perda, nada se pode invocar a seu favor, salvo o favor do desfavor dos deuses”) .
Culpa dos cariocas?
Uma reforma eleitoral definitiva, permanente, sem a necessidade de periódicos consertos e adesivos, é, no Brasil, o que uma antiga lenda portuguesa definia como “obra de Santa Engrácia!”, a que nunca termina. Vê-se que é matéria que o Congresso mexe e remexe, sempre com a preocupação de ajustá-la a conveniências do momento. Ainda agora, com adiamentos e discussões intermináveis, ela balança entre questões menores ou indagações importantes. Mas sempre com o propósito dos adiamentos.
Entre as dúvidas que persistem, uma, acentuada a partir da eleição presidencial de 2022, é sobre a conveniência da verificação da autenticidade do voto, com a emissão de impresso, para dar ao eleitor a garantia de que a urna eletrônica registrou verdadeiramente o candidato de sua preferência. Não se nega o avanço que representou a computação eletrônica, mas a comprovação daria uma certeza a mais sobre a destinação do voto. Vários países aderiram à precaução, em nome da legitimação. Não se entende a desconfiança que alguns setores políticos sustentam em relação ao que a própria urna deve imprimir.
O senador Marcelo Castro (MDB-PI), que se especializou em eleições, combate incertezas e temores quanto ao processo, lembrando que na eleição passada concorreram 450.000 brasileiros para os diversos cargos, sem que se registrasse uma única queixa quanto a fraudes. Mas ele se refere a candidatos, não a eleitores, que, quanto a isso, não tão seguros estão.
Ele atribui a uma psicose dos cariocas os temores quanto a eleições fraudadas, por causa do famoso caso Proconsult, de 1982, quando se montou um escandaloso esquema para transformar os brancos e nulos em votos para o candidato a governador Moreira Franco, no Rio de Janeiro, contra seu concorrente, Leonel Brizola. O senador não pode negar que, graças à veemência dos protestos e a uma contagem paralela de votos, liderada por este jornal, o Rio se levantou em nome da democracia representativa. Psicótico ou não, foi o eleitor carioca que abortou o maior crime que se tentou perpetrar contra eleições contemporâneas.
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