terça-feira, 29 de julho de 2025

 


Palavras em crise

((Wilson Cid, hoje, no "Jornal do Brasil" ))

A palavra pode gerar grandes crises políticas, como sempre se soube, como hoje se vê. Muitas vezes chega para confundir, exatamente no momento em que a sensatez pretende a não confusão. Quando proferida por autoridades constituídas, os riscos tornam-se mais agudos, perturbam e ajudam a aprofundar os desajustes entre governantes e governados. Se tem competência para aproximar, também leva a antagonismos, tal como se dá agora entre os presidentes Lula e Trump. As divergências não impediram que ambos se especializassem na arte de se expressar com pouca cerimônia, capazes de elaborar frases com imprudência, o que lhes tem valido constrangimentos, tão logo seus discursos são lançados ao espaço. Não seria temeridade inconsequente afirmar que, se agravadas as relações entre os países que dirigem, o mea-culpa tem de bater no peito de ambos.
Um fenômeno quase simultâneo à palavra, seja ela bem dita ou mal dita, são os raciocínios incompletos ou truncados, deixando brechas para interpretações desencontradas.
Outra coisa não foi o que se ouviu na recente visita de Lula ao Chile, onde pregou o fortalecimento das esquerdas, que vê ameaçadas no continente. Mesmo sem se repetir como habitual vítima das ciladas do improviso, pois lia a preleção, proferiu certas frases que estão a cobrar esclarecimento. Como a advertência de que eleições periódicas de quatro ou cinco anos já não são mais suficientes, sem mostrar, no seu entendimento, qual seria para elas a frequência ideal. Ora, eleição sem calendário definido é eleição nenhuma, coisa do agrado das ditaduras.
Bom teria sido – mas ainda há tempo – o presidente também explicar o que pretendeu dizer com “falência da democracia liberal”, que ele define como algo incapaz de dar resposta às necessidades contemporâneas. A vida tem ensinado que democracia, quando acompanhada de adjetivos, está prestes a perder o substantivo. Disse que o sistema político e os partidos caíram no descrédito, para, logo depois, reclamar a devolução ao estado da capacidade de proteger o cidadão. São declarações seriíssimas que, em tempos normais e lideranças sérias, causariam grandes indagações. A pergunta que ficou é o que, na essência, pretenderam revelar aquelas palavras. Perguntar não ofende; explicar é que faz bem.

2 - Se concordamos em que tudo está na dependência da palavra, suas oportunidades e conveniências, alguém lembra que as dificuldades atuais nas relações entre Brasil e Estados Unidos se se dissipariam, de fato – e com perdão do neologismo – com a desbolsonarização da crise. Que palavra! O que significa, como primeiro passo, tirar do ex-presidente o papel de pivô das dificuldades geradas pelo amor que conquistou e consolidou na Casa Branca.
Note-se a situação diferente e contrastante nos avanços do tarifaço pelo mundo. Restringe-se o presidente Trump, quase invariavelmente, à órbita dos interesses comerciais; menos no caso brasileiro, porque para nós o peso de 50% sobre as exportações vem do apreço sem medidas pelo ex-presidente, e, por consequência dessa admiração, Tio Sam desembarca de punhos cerrados contra as agressões do Supremo Tribunal Federal às liberdades.
O discurso que empresários e parlamentares acabam de levar a Washington, na tentativa de acalmar os ânimos e remover a restrição às nossas vendas, não pode se limitar à esparrela das antipatias entre Trump e Lula, que estão de mal e narizes torcidos. Mas deixar bem claro que os dois precisam desbolsonarizar-se, sem amores e ódios excessivos.

Pesquisas acertadas

Se a validade das pesquisas eleitorais é colocada sob reserva, quando ainda se tem pela frente um longo tempo para correrem muitas águas, o mesmo não se poderia dizer dessas que revelaram, nas últimas semanas, o desencanto em que se misturam, diante da opinião pública, os três poderes constituídos. Quando se fala nas maiores preocupações da população, constata-se que 50% dos consultados decepcionam-se com o desempenho do Legislativo, Executivo e Judiciário, colocados na mesma vala de desprestígio. Pode alguém dizer que o trio poderoso está apenas diante de coincidência momentânea, porque, em uma fase única, foram empurrados para grandes conflitos, que mais cedo ou mais tarde haverão de se ajustar. Pode ser.
Mas o detalhe, nada auspicioso, é o fato de, a um só tempo, os poderes caírem na desconfiança de metade da população, que, com razão, fica sem norte, sem saber a qual deles recorrer na tarefa de botar a casa em ordem; tarefa que, em certo dia qualquer, terá de ser encarada, custe o que custar.
A maior dificuldade, pois, vem do mal de os três estarem solidários por baixo, no chão, desprestigiados. É a primeira vez em que ficam ombreados, afins no desgaste, na indesejável posição de contrariar, por atacado, ao menos, metade dos consultados; metade, mas com tudo para o refletir sentimento da maioria. Não é para tranquilizar.

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