terça-feira, 4 de julho de 2023

 


A falta que o inimigo faz



((Wilson Cid, hoje, no "Jornal do Brasil" )) 


A vivência política, muitas vezes citada por seus mais experientes atores, ensina que nem sempre o que é ruim para alguém passa a ser automaticamente bom para o inimigo. Nessa mesma linha, outros lembram velho militante mineiro, Pinheiro Chagas, para quem, em se tratando de políticos, quando dois brigam, ambos perdem, tal como insinua o cenário atual, com Bolsonaro inelegível, baleado no projeto de disputar a volta à Presidência em 2026, o que não significa, necessariamente, que isso seja de bom alvitre para seu principal adversário, o presidente Lula, que perde, como consequência da recente condenação votada pelo TSE, o mote (talvez até a motivação) para insistir num discurso que debita ao antecessor a culpa pelas principais mazelas do país.

Bem pensado, por mais esdrúxulo que possa parecer, os bons amigos do Supremo Tribunal praticariam obséquio se reformassem a condenação, nos próximos meses, quando os ânimos estiverem serenados…

Com a inelegibilidade, aparentemente o divisor entre as duas lideranças, o Partido dos Trabalhadores e seus aliados não escapam de atentar para o destino da direita e eventuais nomes surgidos a ocupar um terreno que as urnas já revelaram fértil; prontos para assumir a bandeira que escapa das mãos de Bolsonaro, mas não escapa totalmente dele. Desafio novo para Lula, porque tão logo um provável concorrente passe a fazer parte do cenário, ele e os petistas que o aconselham terão de rever aspectos pontuais das condutas adotadas. E se vier - quem sabe ? - um direitista respeitado, tolerante, não radical, conciliador, disposto a aparar arestas, ressentimentos e divergências odiosas na sociedade, na política e nas religiões. Um perfil desafiador para a esquerda, que em momento crucial pode estar abalada nos naturais desgastes do governo; tão maiores quantas forem as frustrações. Se nunca houve presidente capaz de escapar de desgastes, Lula tem de se preparar para o inevitável, por mais poderosas que sejam as bênçãos do amigo Francisco.

Tais observações, claro, não vão além das quatro linhas da especulação. Contudo, não há negar que em qualquer contenda, quando se afasta um dos contendores, ao que permanece cabe reavaliar as armas, de acordo com o jeito de ser de quem está para entrar em campo.

Nesse sentido, o primeiro ponto a considerar está na atitude de Lula, cada vez mais insistente em assumir o discurso de uma esquerda vigorosa, o que ele tem todo direito de fazer, mas sem descuidar de que os companheiros latinos têm deixando por conta dele inevitáveis desgastes nas relações com europeus e norte-americanos. Muitos concordam, e dizem que o embaixador Amorim é que pode sensibilizá-lo para o comedimento.

( Nos avanços que o presidente vem praticando ao discursar, ouve-se agora defender que a democracia é relativa. É preciso que alguém lhe diga uma verdade que a História não cansa de confirmar: o sinônimo de democracia relativa é a ditadura absoluta).

No rastro do Foro

O Foro de São Paulo reativou, na semana passada, os ideais que constituiu há duas décadas, proclamando que, sem trilhar os caminhos da esquerda, os povos latino-americanos não conseguirão vencer a história de suas longas pobrezas. Desta vez, o congresso procurou acentuar a estimulante advertência do novo governo de Brasília: os sonhos socializantes estão na dependência de uma sólida unidade continental, o que se torna bem claro no apelo a projetos sociais comuns e no decisivo intercâmbio de colaboração no campo das finanças, tipo de solidariedade que no Brasil tem antecedentes, e de novo demonstrado agora, quando se procura tirar a Argentina de graves aperturas, pouco incomodando passadas inadimplências.

Isto posto, sobrevêm expectativas de reações políticas da parte dos Estados Unidos, que até agora não se incomodavam muito com articulações esquerdistas latino-americanas. Pode ser que despertem maiores atenções, com base em dois dados para justificar. O primeiro é que o Brasil, natural referência para uma dezena de países da região, está de novo sob governo e partidos de esquerda. Até então, não sentiam exercícios ideológicos contrários, em dimensões tais que pudessem conspirar contra interesses capitalistas. O papel brasileiro nesse contexto seria a razão principal de nova e mais aguda interpretação. É o primeiro dado.

O segundo fato resultante do Foro, com tudo para preocupar o Departamento de Estado, é que o Brasil, estimulando governos latinos, todos mais pobres e carregados de problemas, abriria espaços para a influência da China no continente, considerando-se que nesse sentido algumas simpatias já se revelaram.

A ponte chinesa. Eis a questão, que os norte-americanos sentem como problema a enfrentar, mais real e desafiador que os exercícios ideológicos de uma esquerda, que muitas vezes se confunde em elucubrações. Agora é aguardar o que vão dizer os relatórios de observadores encarregados de avaliar o Foro. Em estudos.

Números que advertem

Costuma-se restringir a importância dos censos, o que é grave equívoco, quando se sabe das repercussões e consequências negativas para os países que preferem desdenhá-los. Não só nas camadas mais modestas da população, mas também na conduta de governos e lideranças de produtores. Para muitos, os números populacionais ficam limitados às curiosidades, quando, na verdade, se revelam o que somos e onde estamos, muito mais que isso, mostram o que é preciso realizar para melhorar as condições de vida. Agora, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística expõe os mapas fechados em agosto passado, e, mais uma vez, com indicadores de velhas iniciativas sempre adiadas.

Lançar os olhos para a frente e para o futuro já preocupava o imperador Yao, em 2238 a.C, ao promover o primeiro censo da História, desejoso de saber não apenas quantos eram aos chineses, mas o que podia cobrar deles. Não menor seria a preocupação do Congresso Internacional de Estatística, na Bélgica, em 1853, interessado em analisar a realidade agrícola, num mundo cada vez mais faminto. Fomos nos preocupar com isso só em 1920, com a primeira estatística agropecuária.

Sobre dados revelados na semana passada, há duas informações do IBGE que sugerem especiais atenções, com endereço certo para os cuidados dos governantes: a redução do crescimento populacional entre os brasileiros que vão chegando aos 30 anos, e, em contraste, o aumento dos que avançam além dos 60 ou 70. É a luz amarela para governos e estudiosos dos diagramas sociais, pois na medida em que estão encolhendo as potencialidades da iniciativa produtiva jovem, a população idosa dilata-se. E esta, se incapacitada para a atividade laboral, sempre exige maiores e caros cuidados assistenciais. O desafio está em que as políticas públicas e as iniciativas privadas precisam ampliar atenções para os segmentos etários colocados nos extremos. Claro, o que se tem de fazer não é algo para se alcançar de imediato, mas é para preocupar desde logo.

Os legisladores e executivos têm nesse quadro elementos e substância para refletir e propor ações concretas. Como também debruçar sobre outro dado real, cuja revelação não causou surpresa. Quase metade dos 5.570 municípios têm menos de 10.000 habitantes, em sua maioria com índices populacionais em queda, para revelar um país que não está conseguindo conter o êxodo migratório e inchando as metrópoles.

O censo não deixa o Brasil descansar. É preciso pensar e aproveitá-lo para que comecemos a fazer o que tem de ser feito.

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