terça-feira, 25 de julho de 2023

 


Para bom entendedor



((Wilson Cid, hoje, no "Jornal do Brasil" ))


Se todos percebem, por que o PT não perceberia? Na mesma medida em que o presidente vai acumulando concessões ao Centrão e aos parlamentares agregados, os petistas vão perdendo o poder de influir, tanto quanto desejam, na disputar das grandes prefeituras em 2024. Porque em cada oferta de cargos e posições a realidade se desdobra em dois sentidos contrários: o partido do governo se enfraquece e os aliados de ocasião se fortalecem. Os governistas não seriam tão inocentes de achar que, na luta pelo comando das prefeituras, a aliança lulista haveria de prevalece sobre os comandos e interesses locais. Desconhece-se a existência de deputado ou senador que não queira ter o controle político dos municípios onde assentam suas bases eleitorais. No interior, nessa hora, Brasília é quase uma ficção.

Zeca Dirceu, líder da bancada na Câmara, sente o perigo riscando o horizonte, e já interferiu na conversa de Lula com o Centrão. Adverte que, se o PT tem de ceder alguma coisa, é preciso que os demais também cedam, para que as coisas funcionem sob um clima que chama de “visão estratégica”. Seria oportuno saber se fala por si só, ou também pelo pai, Zé Dirceu, oráculo que já cuidou da linha partidária, e sabe quanto, quando e como partilhar benesses na medida certa.

Um equívoco talvez esteja a cometer o líder da bancada, quando acena com cargos do segundo e terceiro escalões para acolher e contentar a alma e o estômago reivindicantes dos parlamentares, não necessariamente contemplados com ministérios. Ora, é exatamente naqueles níveis do serviço público que o governo e seu partido preferencial precisam ter escudeiros leais, pois são os que selecionam, liberam, atrasam ou dificultam as verbas. Sabem como complicar o que é fácil, passar por cima das decisões dos ministros.

( Sobre esse poder oculto e latente dos escalões secundários o jurista Saulo Ramos, que foi ministro da Justiça de Sarney, tem um depoimento sempre oportuno: ” Observei que no governo federal os servidores do segundo escalão adoram ministro novo, porque fazem dele o que bem entendem. Enganam, dão informação truncada, assessoram mal. Há honrosas exceções, que são honrosas precisamente por serem exceções”).

Palavras bem ditas e mal ditas

Notícia interessante do fim de semana foi a decisão de se prestar misericordioso socorro ao presidente Lula na futura elaboração de discursos, de forma a eliminar ou reduzir constrangimentos que têm se multiplicado nas muitas incursões que realiza pelo Exterior. Cabe observar que, ante a silenciosa perplexidade da Casa Civil e do pessoal do Itamaraty, foi a primeira-dama que tomou a iniciativa de deslocar uma assessora para interferir na feitura dos pronunciamentos oficiais. Sem qualquer garantia de êxito para esse cuidado doméstico, porque o presidente mais se atrapalha é nos improvisos, como agora em Cabo Verde, quando manifestou a gratidão brasileira pela infâmia de três séculos e meio explorando o braço escravo. Claro, era outra coisa que pretendia dizer. Mas ficou o dito pelo não dito. E mal para todos.

Vê-se que os principais problemas não brotam dos textos, mas da aventura do verbo improvisado. Não há assessor, por mais ilustre que seja no trato do idioma, que possa corrigir isso. Improvisar, só excepcionalmente, cercado de todos os cuidados, com as frases previamente alinhavadas na memória, como ensinava Afonso Arinos.

Para dificultar desejáveis soluções, o esforçado presidente não foi contemplado pela natureza com os três requisitos que Balzac citava como virtudes indispensáveis ao improviso do orador: voz de rouxinol, memória de elefante e a visão circular do caracol.

(A propósito, para estranhar a desatenção dos colaboradores palacianos e do ministério das Relações Exteriores, tem faltado alguém para dizer a ele que faz parte da solenidade dos atos oficiais, principalmente junto aos governos estrangeiros, que os discursos estejam escritos. Formalidade respeitosa. Em outro ponto, no mar de estranhezas em que se navega neste país, assiste-se ao silêncio da diplomacia diante das faraônicas hospedagens do presidente e suas comitivas na Europa, ostentação que agride a nação de milhões de famintos, ao mesmo tempo em que serve de galhofa pelo mundo afora).

As falas presidenciais, com ou sem speech writer, têm de ser objeto de cuidadosas atenções, palavra por palavra. Quando se valem de fatos históricos, mais cuidado ainda. Viu-se em Rui, que escreveu o discurso de posse de Deodoro da Fonseca, no qual havia o detalhe melindroso das nossas dívidas com a Inglaterra. Mestre intestável do idioma, mesmo temperamental e autossuficiente, nem por isso Jânio Quadros dispensou longas conferências com Pedroso Horta para saber das conveniências no que devia dizer para um Brasil ansioso. Não eram simples assessores, como não o foram Evandro Lins e Darcy Ribeiro ao colocar no papel o que João Goulart devia dizer. Tempos mais próximos, foi o talento de Mauro Santayana que elaborava, sem remendos, os discursos de Tancredo Neves e Itamar Franco. Que sejam referência e inspiração para Lula.

Nas falas mais importantes, o orador político deve começar pela humildade. Perguntando e ouvindo.

Para o atual presidente, além de redatores, ajudaria bastante o concurso de diplomatas orientadores, para que se evitem dissabores, como se deu no confuso posicionamento frente à Guerra da Ucrânia ou o apoio à ditadura que humilha os venezuelanos. Ou a recente definição do nazismo moreno, no coração da Europa, que sabe, ela sim, mais que as antipatias por Bolsonaro, o que é padecer sob aquela tragédia humana.

Esperança na eleição

A História não permitiu, pelo menos até agora, uma forma de viabilizar a democracia representativa que não pelas eleições, quando se processam sob a liberdade de expressão, de opinião, livre trânsito dos eleitores e candidatos minimamente qualificados. É a receita. Fora disso, os governos se formam sob suspeitas quanto à legitimidade, mesmo quando chegam a revelar alguma eficiência administrativa.

Numa fase em que as franquias democráticas não andam nos melhores modelos pelo continente, ecoa, auspiciosa, a notícia de que vêm prosperando pressões internacionais para que a Venezuela desembarque da ditadura, pela via de um futuro processo eleitoral. Nem se sabe quando ou se vai acontecer, mas a expectativa já alivia os temores de perpetuação dos dias de poder de Nicolás Maduro. Porque, dada a importância do país vizinho, entre outras coisas dono de uma das maiores reservas de petróleo do planeta, a volta à democracia é motivo de esperanças para toda a América Latina, onde métodos ditatoriais sempre fascinam velhas e sovadas oligarquias.

Bom que se acredite em uma eleição venezuelana livre, sob o olhar atento e severo de observadores internacionais, capazes de garantir o sonhado avanço. Entre eles excluídos, obviamente, representantes dos governos claramente simpáticos a Maduro. Por isso, na fiscalização eleitoral já caem sob suspeição China, Rússia e Brasil; como também, por terem posição oposta, os Estados Unidos. Sob a égide das Nações Unidas, a missão fiscalizadora em Caracas devia ser confiada a países onde nunca ocorreram golpes de estado. Por exemplo, Nova Zelândia, Austrália, Noruega e Canadá. Contudo, há outros.

Um cuidado, não menos oportuno, é que na campanha preparatória para um pleito desse vulto não se permitam radicalizações ideológicas, mas assegurada livre manifestação de todas as correntes pensamento, de ideias e objetivos.

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