A dimensão do impasse
((Wilson Cid, hoje, no "Jornal do Brasil"))
Impossível negar importância a esse novo teste que se projeta no mapa das relações entre Brasil e Estados Unidos, como desdobramento da decisão do Departamento de Estado de ajustar contas com a Justiça brasileira; antes tendo como alvo o Supremo Tribunal, depois com enfoque no ministro Alexandre de Moraes, acenando sérias hostilidades. Já era esperado, inevitável capítulo de passadas antipatias, que começaram a prosperar com Elon Musk. Os americanos sentem-se no direito de defender interesses de plataformas e empresas que aqui atuam. O Brasil, forçado a se situar, vê-se diante de um quadro de alguma forma delicado, porque, se não pode deixar ao sereno um ministro togado que tem sido gentil ante as questões do governo, também não deve ignorar as consequências, se exagerar no grito e nas retaliações, já que procede do Norte uma grande dependência na operacionalização das redes sociais.
Indo logo ao âmago da questão, que é também a que mais preocupa. Já não sendo mais segredo, o embate entre o secretário Marco Antonio Rubio e o ministro Moraes não é, não pode ser, transformado em uma questão de estado. Porque, por sobre a divergência que os coloca em campos diferentes, há um conjunto de outros interesses maiores a considerar, não apenas na interpretação de diferentes visões sobre liberdades de expressão. O doutor Rubio e o ministro Moraes não podem ser as pátrias em campo de guerra.
Porém, mesmo delineados os limites do terreno em que deve se desenvolvendo o impasse, percebe-se que tem tudo para avançar mais do que tolera a conveniência das relações Brasília -Washington, segundo a preocupação de analistas estrangeiros. O mundo tem advertido que somos dois países importantes, com as maiores populações da América. Jornais de Nova York e congressistas influentes prenunciam sérias disfunções diplomáticas, o que, pela atual dimensão do problema, é um exercício de exagero, exatamente pela razão já exposta; a menos que observações mais qualificadas que as de um breve artigo de jornal reconheçam gravidade maior. A crise não tem razão para gravitar além da órbita dos dois funcionários.
Vem, em seguida, segunda observação, que parece de igual importância. Se um ministro brasileiro e uma alta autoridade americana estão em conflito, não haverá de faltar forças, pouco aparentes, mas não totalmente ocultas, a tirar proveito do momento, notadamente para agravar os problemas que rondam Executivo e Legislativo, que já não são poucos, inclusive com resquícios de natureza ideológica.
Dada tal dimensão, ideal é que o presidente Lula assuma, pessoalmente, o controle da situação, sem deixar que ela corra frouxa, porque é assim que as coisas vão piorar.
Podem ocorrer novos lances em que o governo não terá como silenciar. Precisará conter a tentação de braveza, reagindo só por vias competentes, que impeçam o comprometimento de outros interesses nacionais. Por mais competentes que sejam nossos diplomatas, ao presidente Lula não cabe lavar as mãos, pilatescamente; ao contrário, convém conduzir firmemente o processo. Nessa hora, é fundamental que esteja em Brasília, e não recomendar a seu chanceler que se vire, e faça o que achar melhor, como recomendou ao ministro Haddad, na semana passada, quando fritava o destino da sobretaxa do IOF.
2 - A disposição de Lula parece indicar preferência por longas caminhadas pelo interior, nas próximas semanas, desejoso de estreitar convivência com as populações, em particular com o eleitorado, mesmo sem poder garantir, desde já, se estará disputando novo mandato. Quanto às excursões, não se lhe pode negar o direito, porque todos os candidatos, possíveis hoje ou impossíveis amanhã, terão de se sujeitar a exaustivas peregrinações. E, claro, há muito o que olhar por esse interior, onde também há muito o que fazer. O presidente, mais que ninguém, sabe disso. Contudo, se os dias atuais nos atropelam, e ainda é distante a sucessão, isto faz parecer mais adequado é ele sentar praça em Brasília, interromper a conhecida animação por viagens, e tomar as rédeas das soluções para os muitos problemas que estão afligindo a sociedade brasileira. Hoje, ele dá ideia de que tudo pode ser delegado.
Frente às dificuldades, entre as mais recentes o protesto do Departamento de Estado, o temor é que sejamos vistos, no Exterior, como um país que navega e flutua à mercê dos ventos, enquanto o capitão apenas delega a imediatos. Ora, quando o leme está nas mãos do comandante a viagem sempre parece mais segura.
À medida em que engorda a pauta dos problemas, impõe-se a presença da autoridade maior, mais ainda quando estamos, como agora, sob a coincidência de graves desafios que, por mal dos pecados, vão nascendo e prosperando a um só tempo.
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